Análise da Nota Técnica ANVISA nº 2/2024 e Seus Conflitos com a Legislação Aplicável aos Profissionais de Estética

Documento da ANVISA (NT nº 2/2024) entra em conflito com a Lei nº 13.643/2018 e restringe ilegalmente atuação de Esteticistas, aponta análise.
01/05/2025 01/05/2025 22:02 66 visualizações

Em 2024, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) publicou a Nota Técnica (NT) nº 2/2024/SEI/GGTES/DIRE3/ANVISA, buscando orientar sobre a aplicação de normas sanitárias em serviços de estética. Embora o intuito declarado seja o de esclarecimento, o documento gerou considerável insegurança jurídica e preocupação entre Esteticistas e Técnicos em Estética, profissões devidamente regulamentadas pela Lei Federal nº 13.643/2018.

A União Nacional dos Esteticistas e Técnicos em Estética (UNESTE), cumprindo seu papel de defender os interesses da categoria, realizou uma análise técnica aprofundada da NT nº 2/2024, identificando diversos pontos de conflito com a legislação federal e princípios constitucionais que garantem o livre exercício profissional. Este artigo visa apresentar os principais achados dessa análise e orientar os profissionais sobre seus direitos.

O Papel da ANVISA vs. a Lei

Antes de analisar os pontos específicos, é crucial entender a natureza de uma Nota Técnica. Trata-se de um documento orientativo, emitido por uma área técnica, que não tem força de lei. No Brasil, vigora o princípio da Hierarquia das Normas: a Constituição Federal está no topo, seguida pelas Leis Federais. Decretos, Resoluções de Diretoria Colegiada (RDCs) e Portarias são atos normativos inferiores, subordinados à Lei. Notas Técnicas estão na base dessa estrutura, servindo apenas para explicar ou orientar, sem poder contrariar, restringir ou ampliar o que a Lei determina.

A Administração Pública, incluindo a ANVISA, está vinculada ao Princípio da Legalidade (Art. 5º, II, CF/88): só pode agir conforme a lei autoriza. Portanto, qualquer orientação da NT nº 2/2024 que conflite com a Lei nº 13.643/2018 ou outros dispositivos legais superiores é considerada juridicamente inválida e inexigível.

Principais Pontos de Conflito Identificados na NT nº 2/2024

A análise identificou as seguintes ilegalidades e interpretações equivocadas na Nota Técnica:

1. Classificação do Esteticista como "Não Profissional de Saúde":

• A NT utiliza a Resolução CNS nº 287/1998 (anterior à Lei 13.643/18 e com finalidade distinta) para excluir o Esteticista do rol de profissionais de saúde.

• Ilegalidade: Ignora a Lei nº 13.643/2018, que regulamentou a profissão justamente por seu vínculo com os cuidados em saúde e bem-estar. Desconsidera a classificação oficial do curso superior pelo MEC no eixo da Saúde/Bem-Estar (CNCST 2024). Utiliza norma infralegal e desatualizada para sobrepor-se à Lei Federal específica da profissão.

2. Restrição de Recursos de Trabalho a "Cosméticos" de Uso Externo:

• A NT interpreta a Lei 13.643/18 de forma a limitar o Esteticista ao uso exclusivo de "produtos cosméticos" (definidos como de uso externo pela Lei 6.360/76).

• Ilegalidade: Esta interpretação é excessivamente restritiva. O Art. 6º da Lei 13.643/18 confere competências ao Esteticista e Cosmetólogo (nível superior) que vão além do uso de cosméticos externos (ex: responsabilidade técnica, elaboração de programas de atendimento). A CBO 3221-30 (Esteticista) prevê o uso de cosmecêuticos e outros recursos. A prática segura exige produtos para biossegurança (saneantes). A NT nivela por baixo as competências do profissional graduado e ignora a diferenciação legal entre os Arts. 5º (Técnico) e 6º (Graduado).

3. Vedação Implícita a Procedimentos Injetáveis Não Médicos:

• Ao limitar o Esteticista a cosméticos externos, a NT impede indiretamente a realização de procedimentos como aplicações intradérmicas e subcutâneas, pois afirma que produtos injetáveis (medicamentos/produtos para saúde) são vedados onde atuam esteticistas (segundo a classificação da própria NT).

• Ilegalidade: Confronta diretamente o resultado dos vetos presidenciais à Lei nº 12.842/2013 (Ato Médico). Tais vetos excluíram deliberadamente da definição de ato médico privativo os procedimentos que atingem apenas derme e tecido subcutâneo (como injeções). Se a Lei do Ato Médico não os classificou como privativos, e a Lei 13.643/18 permite ao Esteticista realizar o que não for ato médico privativo, a ANVISA não pode proibi-los via Nota Técnica, usando a definição de cosmético como subterfúgio.

4. Condicionamento do Uso de Equipamentos ao Manual do Fabricante:

• A NT orienta que Esteticistas só usem equipamentos se o manual do fabricante permitir.

• Ilegalidade: A competência para operar um equipamento deriva da habilitação legal (Lei 13.643/18) e da qualificação profissional (formação MEC/CNCST), não da autorização discricionária de uma empresa privada (fabricante). Representa uma inversão da lógica regulatória.

Implicações para a Fiscalização

As orientações da NT nº 2/2024 que contrariam a Lei nº 13.643/2018 e outras normas federais são inexigíveis. A fiscalização sanitária deve se ater ao cumprimento das normas sanitárias válidas (RDCs, Leis) e à verificação da habilitação legal do profissional conforme a Lei 13.643/18, não podendo impor restrições baseadas unicamente em interpretações de uma Nota Técnica que conflitem com a legislação superior.

Recomendações Práticas aos Profissionais

Diante de fiscalizações da Vigilância Sanitária que utilizem a NT nº 2/2024 como base para exigências ou autuações ilegais, a UNESTE orienta:

a. Documente Tudo: Mantenha a calma, seja profissional e registre nome/matrícula do fiscal, data, exigências e a fundamentação legal citada por ele.

b. Cumpra o Legal: Garanta e demonstre a conformidade com todas as normas sanitárias válidas (higiene, RDCs, alvarás, PGRSS, etc.).

c. Conteste o Ilegal: Apresente defesa administrativa formal e bem fundamentada (com base na Lei 13.643/18, Ato Médico pós-vetos, Princípio da Legalidade, etc.) contra exigências que se baseiem exclusivamente nas interpretações ilegais da NT 02/2024. Informe respeitosamente ao fiscal sobre a ilegalidade da exigência.

d. Registre Discordância: Não assine autos ou termos concordando com exigências ilegais sem registrar formalmente sua discordância fundamentada.

e. Denuncie o Abuso de Autoridade: Caso o fiscal, mesmo ciente da ilegalidade, insista em exigências sem amparo legal, ameace com sanções indevidas ou impeça o exercício profissional com base nessas exigências, esta conduta pode configurar Abuso de Autoridade. Conforme o Artigo 33 da Lei nº 13.869/2019, é crime "Exigir informação ou cumprimento de obrigação, inclusive o dever de fazer ou de não fazer, sem expresso amparo legal". Nestes casos, documente minuciosamente o ocorrido (com testemunhas, se possível) e procure a Assessoria Jurídica da UNESTE ou seu advogado para avaliar a formalização de denúncia junto aos órgãos competentes (Ministério Público, Corregedoria da VISA) e/ou a impetração de Mandado de Segurança.

f. Busque Apoio: Mantenha a UNESTE informada sobre fiscalizações e notificações recebidas para que a entidade possa oferecer o suporte necessário.

Conclusão

A Nota Técnica ANVISA nº 2/2024 contém interpretações que extrapolam sua natureza orientativa e colidem com o marco legal da Estética no Brasil. A UNESTE reafirma a soberania da Lei Federal nº 13.643/2018 na definição das competências dos Esteticistas e Técnicos em Estética. Nenhuma Nota Técnica pode se sobrepor à lei. Encorajamos os profissionais a se manterem informados, a cumprirem as normas sanitárias legais e a defenderem assertiva e legalmente seu direito ao pleno exercício profissional, contando com o apoio da UNESTE nas esferas administrativa e judicial.